"PREGUIÇA DE SOFRER"

Zuenir Ventura

Há 26  anos, elas cumprem uma alegre rotina: às sextas-feiras pela manhã sobem a  serra e descem aos domingos à tarde, quando não permanecem a semana toda lá,  em sua casa de Itaipava, distante hora e meia do Rio.

 Sette -  Mily, a mais velha, de 86 anos; Guilhermina (84), Maria Elisa (76) e Maria  Helena (73) - mais a cunhada Ítala (87), a prima Icléa (90) e a amiga de mais  de meio século, Jacy (78). O astral e a energia da "Casa das sete velhinhas"  são únicos.

Elas cuidam das plantas, visitam exposições, assistem a  shows, lêem, jogam baralho, conversam, discutem política, vêem televisão,  fazem tricô, crochê e sobretudo riem. Só não falam e não deixam falar de  doença e infelicidade. Baixaria, nem pensar.

Quando preciso tomar uma  injeção de ânimo e rejuvenescimento, subo até lá, como fiz no último  sábado.

Já viajamos juntos algumas vezes, como a Tiradentes, por cujas  redondezas andamos de jipe, o que naquelas estradas de terra é quase como  andar a cavalo. Tudo numa boa. Elas têm uma sede adolescente de novidade e  conhecimento.

Modéstia à parte, são conhecidas como  "As meninas  do Zuenir".

Me dão a maior força.

Quando sabem que estou fazendo  alguma palestra no Rio, tenho a garantia de que a sala não vai ficar  vazia.

São meu público cativo e ocupam em geral a primeira fila. Numa  dessas ocasiões, com a casa cheia, elas chegaram atrasadas e fizeram rir ao se  anunciarem a sério na entrada:

"Nós somos as meninas do  Zuenir".

Nos conhecemos nos anos 70, quando morávamos no mesmo prédio  no Rio e Maria Elisa, que é química, passou a dar aulas particulares de  matemática para meus filhos, ainda pequenos, de graça, pelo prazer de  ensinar.

Depois nos mudamos, continuamos amigos e nossa referência  passou a ser a casa de Itaipava, onde minha mulher e eu temos um cantinho, um  pequeno apartamento na parte externa da casa, os "Alpes suíços".

No  começo o terreno não passava de um barranco de terra vermelha. Hoje é um  jardim suspenso, com árvores e flores variadas que constituem uma atração para  os pássaros.  Dessa vez, não cheguei a tempo de ver a cerejeira florida,  mas em compensação assisti a uma exibição especial de um casal de  papagaios. O interior da casa é um brinco, não fossem elas meio artistas, meio  artesãs, todas muito prendadas, como se dizia antigamente.

Helena e  Jacy, por exemplo, tecem mantas e colchas de tricô e crochê que já mereceram  exposições.

Mily desafia a idade preferindo as novas tecnologias e a  modernidade, sem falar no vôlei, de que é torcedora apaixonada. Sabe tudo de  computador e, com Jacy, freqüenta todos os cursos que pode: de francês a  ética, de inglês a filosofia.

Na parede, Tom Jobim observa tudo. A foto  é autografada para Elisa, de quem ele foi colega no Andrews.

Aliás,  nesse colégio da Zona Sul do Rio, Guilhermina trabalhou 53 anos, como  secretária e professora de Latim, que ela ensinava pelo método direto, ou  seja, falando com os alunos. Ficou muito feliz quando na praia ouviu, vindo de  dentro do mar, o grito de alguém no meio das ondas, provavelmente um  surfista:

"Ave, magister!".

Amiga de personagens como o maestro  Villa-Lobos, ela ajudou ou acompanhou a carreira de dezenas de jovens que  passaram por aquele tradicional colégio, cujo diretor uma vez lhe fez um  rasgado elogio público, ressaltando o quanto ela era indispensável ao  educandário. No dia seguinte, ela pediu as contas, com essa sábia  alegação:

"Eu quero sair enquanto estou no auge, não quando não  souberem mais o que fazer comigo".

Durou pouco porque logo arranjou o  que fazer. É tradutora e gosta muito de etimologia: adora estudar a vida  das palavras desde suas origens, principalmente quando são gregas.*
Ah, nas  horas vagas faz bijuterias.

Para explicar como se desvencilhou do vazio  de deixar um emprego de 53 anos e começar nova vida já velha, Guilhermina usou  uma frase que se aplica a todas as outras seis velhinhas e que eu gostaria de  adotar também:

- "Tenho preguiça de sofrer".



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